quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Camões maneirista


O site do Instituto Camões afirma com toda a clareza que o seu patrono é um poeta maneirista. Mas ainda há quem defenda que não, que ele é renascentista.
Na Wikipédia italiana afirma-se do Renascimento (italiano):

Bertrand Russel e alcuni studiosi pongono la data della fine del Rinascimento al 6 maggio 1527, quando le truppe spagnole e tedesche saccheggiarono Roma. Per la maggior parte degli storici dell'arte e della letteratura il passaggio dal Rinascimento al manierismo avviene in Italia negli anni venti del Cinquecento e non oltre la metà del XVI secolo, mentre nella storia della musica la conclusione si situerebbe più avanti, attorno al 1600.

(Bertrand Russel e alguns estudiosos põem a data do fim do Reanascimento em 6 de Maio de 1527, quando as tropas espanholas e alemãs saquearam Roma. Para a maior parte dos historiadores da arte e da literatura a passagem do Renascimento ao maneirismo aconteceu na Itália nos anos vinte de Quinhentos e não além do meio do séc. XVI, enquanto na história da música a conclusão se situaria mais adiante, cerca de 1600.)

Se, lá, a passagem do Renascimento ao Maneirismo ocorreu nos anos 20 do século XVI, quando terá ocorrido em Portugal?
Sobre a pintura maneirista portuguesa, lê-se na História da Arte Portuguesa, Círculo de Leitores, vol. II, pág. 428:

A pintura que se produziu em Portugal (e nos espaços do mundo português) nos anos de 1550 a 1620, grosso modo, sintonizou a sua linguagem pelos novos cânones anticlássicos da maniera italianizada, dentro embora de um campo de pesquisas marcado pela originalidade da sua conduta criadora. Fosse nos anos centrais do século, onde a força das novidades romanas e florentinas introduzidas por artistas viajeiros (Francisco de Holanda, António Campelo) se constituiu como modelo de renovação, fosse na fase de predomínio dos valores tridentinos «reformados», de mais esclarecido discurso de catequização, toda a nossa produção pictórica da segunda metade de Quinhentos não deixou de olhar a Itália do pós-Renascimento como tópico inspirador.

Isto é, pelo menos a partir de meados do século, considera-se que os pintores aderiram à prática maneirista - e na poesia sucedeu certamente o mesmo.
E na pág. 478 do mesmo livro, afirma-se que “o pintor Fernão Gomes, autor do retrato de Camões, pintor régio de Filipe I e de Filipe II de Portugal, desenhador exímio, «homem de bravo talento» segundo o biógrafo Félix da Costa Meesen, é a outra destacada personalidade lisboeta da «terceira geração»” [«terceira geração» maneirista, entenda-se].
Significa isto que, em finais do século, já se ia na terceira geração maneirista, o que liminarmente contradiz aqueles que, ignorando a existência do Maneirismo, prolongam o Renascimento até ao início do Barroco.
As outras histórias da arte recentes seguem o mesmo caminho que a que citámos.
Muito mal andaria Camões se tivesse andado ao arrepio de todos os seus contemporâneos mais avançados. Mas a leitura da sua poesia confirma-o plenamente como maneirista, como pós-renascentista, ao modo do que é afirmado na página do Instituto Camões.
Quem em Portugal defendeu abertamente e pela primeira vez, há muitas décadas, Camões como maneirista foi Vítor Manuel de Aguiar e Silva.

Imagem: Luís de Camões por Fernão Gomes (c. 1573).